Não, não tem a ver com os ‘ais’ do sermão proferido por Jesus no monte (Lucas 6:17-26). O significado do acrónimo ‘AIS’ é outro, completamente distinto, a saber: A de Autoridade, I de Importância e S de Suficiência, naturalmente, referindo-se à Palavra de Deus!
E, como está escrito em Deuteronómio 32:47 (ARC), “…esta
Palavra não vos é vã; antes é a vossa vida…”!
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Passaram cerca de dois anos e meio desde o início
destas ‘reflexões’, período durante o qual, por diversas razões, não foi
possível dar continuidade às publicações. Mas hoje, pela graça de Deus,
regressamos, precisamente pelo tópico que na reflexão 1 foi deixado para
momento posterior, ou seja, o valor da
Palavra de Deus!
E regressamos no estilo a que nos propusemos
desde início, e que dá nome a este ‘blogue’, ou seja, ‘navegando pela Bíblia’
em torno do tema de cada publicação. Com efeito, é nosso propósito deixar que
seja a própria Palavra inspirada por Deus a falar, muito mais do que quaisquer
considerações que possamos fazer sobre o assunto a que nos debrucemos em cada
momento.
Começaremos então por citar três excertos da
Palavra que estruturam esta reflexão, a saber:
E a terra
era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de
Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: Haja luz. E houve luz. (Gén. 1:2,3; ARC)
[…] «Prestem
bem atenção a todas as palavras que hoje vos dirigi e deem ordens aos vossos
filhos para cumprirem todos os mandamentos desta lei. Não se trata de uma coisa
sem interesse para vós, mas, trata-se da vossa própria vida. Desta maneira,
terão uma longa vida na terra que vão receber em propriedade, depois de
atravessarem o Jordão». (Deut. 32:46,47; BPT)
Eu, João,
declaro a todos os que ouvirem as palavras proféticas deste livro: «Se alguém
lhes acrescentar qualquer coisa, Deus há de castigá-lo com os castigos descritos
neste livro. E se alguém retirar alguma das palavras proféticas escritas neste
livro, Deus lhe retirará a sua parte na árvore da vida e na cidade santa,
conforme vem escrito neste livro.» (Apoc./Rev.
22:18,19; BPT)
Estes excertos servem de mote, respetivamente,
aos três tópicos do tema, ou seja: a autoridade,
a importância e a suficiência da Palavra de Deus.
Poderíamos ter estruturado estes pensamentos de
outra forma, por exemplo, tomando por base o Salmo 119 que nos fala
insistentemente sobre a excelência da Palavra de Deus – curiosamente, o maior
capítulo da Bíblia, com 176 versículos, desenvolvidos ao longo de cerca de 5
páginas de texto. Por agora vamos seguir esta estrutura, quem sabe voltaremos discorrendo
com base nesse extraordinário Salmo.
Também, muitas das passagens bíblicas
apresentadas poderiam ser ‘arrumadas’ em mais do que um tópico, pois falam-nos
de mais que uma coisa. Igualmente, poderíamos enumerar outros tópicos, por
exemplo, dentro de ‘autoridade’ da Palavra, incluímos a ‘inspiração’ e a ‘infalibilidade’
das Escrituras. Enfim, trata-se apenas de uma estrutura de conveniência para
facilitar ao desenvolvimento do tema.
Ainda outra nota prévia: sempre que nos
referirmos a Palavra (com inicial maiúscula) deve ser entendido como a Palavra
de Deus, aquilo que na Bíblia, dependendo do contexto e entre outras expressões,
também é designado por: as Escrituras; decretos; estatutos; juízos;
mandamentos; preceitos; a Lei (e os profetas); etc.
Autoridade
E a terra
era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face
das águas. E disse Deus: Haja luz. E houve luz. (Gén. 1:2,3; ARC)
Logo no início dos textos sagrados, em Génesis,
encontramos a primeira referência à autoridade da Palavra. Na passagem citada,
vemos que no início da criação o Espírito se movia (em outras traduções diz
‘pairava’, expressão que no original também pode ter o sentido de ‘chocar’,
como uma ave choca os seus ovos) sobre as águas, mas é apenas quando Deus fala
– profere a sua Palavra – que se dá início à criação da luz e, lendo o texto
que se sucede, a toda os restantes atos da Criação. Aqui podemos observar a
autoridade criadora da Palavra proferida por Deus.
Em sentido semelhante podemos ver, entre outros,
o seguinte excerto:
Assim como
a chuva e a neve descem dos céus e não voltam para eles sem regarem a terra e
fazerem-na brotar e florescer, para ela produzir semente para o semeador e pão
para o que come, assim também ocorre com a palavra que sai da minha boca:
ela não voltará para mim vazia, mas fará o que desejo e atingirá o propósito
para o qual a enviei. (Isa. 55:10,11; NVI)
Ao falarmos de autoridade, temos de nos referir à
inspiração da Palavra. Com efeito, vemos em diversos trechos bíblicos que as
Escrituras, ainda que tendo por intermediários homens, foram inspiradas por
Deus, pelo que as devemos tomar como as genuínas palavras proferidas pela boca
de Deus. Por exemplo, na 2.ª carta do apóstolo Pedro, podemos ler:
Assim, temos ainda mais firme a palavra dos
profetas, e vocês farão bem se a ela prestarem atenção, como a uma candeia
que brilha em lugar escuro, até que o dia clareie e a estrela da alva nasça no
coração de vocês. Antes de mais nada, saibam que nenhuma profecia da Escritura
provém de interpretação pessoal, pois
jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens (santos) falaram da
parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo. (2 Pedro 1:19-21; NVI)
Em sentido semelhante, escreve o apóstolo Paulo:
Tu, porém,
mantém-te firme naquilo que aprendeste e aceitaste confiante. Sabes bem de quem
o aprendeste e que desde a infância conheces as Sagradas Escrituras. Sabes que
elas podem dar-te a sabedoria que leva à salvação, pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e
serve para ensinar, convencer, corrigir e educar, segundo a vontade de Deus,
a fim de que quem serve a Deus seja perfeito e esteja pronto para fazer tudo o
que é bom. (2 Tim. 3:14-17; BPT)
Muito interessante a coincidência, em ambos os
excertos provenientes de apóstolos distintos, do convite a nos mantermos firmes
nas palavras das Escrituras, numa ligação ao facto de as mesmas serem inspiradas por Deus! Igualmente, não
podemos deixar de notar que a Palavra é apta para “ensinar, convencer, corrigir e educar, segundo a vontade de Deus”.
A Palavra de Deus é a verdade, permanecerá para
sempre, e nada do que Ele disse deixará de se concretizar, como podemos ver a
seguir:
Santifica-os
na verdade; a tua palavra é a verdade
(João
17:17; ARC)
A tua
palavra é a verdade desde o princípio, e cada um dos teus juízos dura para
sempre. (Sal. 119:160; ARC)
A relva
murcha, e as flores caem, mas a palavra de nosso Deus permanece para sempre. (Isa. 40:8; NVI)
Passará o
céu e a terra, mas as minhas palavras não hão-de passar. (Luc. 21:33; ARC)
Digo-lhes a
verdade: Enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a
menor letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra. (Mat. 5:18; NVI)
Mas um dos mais fortes trechos da Bíblia sobre
este tópico da autoridade da Palavra pode ser encontrado no Salmo 138:
Voltado
para o teu santo templo eu me prostrarei e renderei graças ao teu nome, por
causa do teu amor e da tua fidelidade; pois
exaltaste acima de todas as coisas o teu nome e a tua palavra. (Sal. 138:2; NVI)
Algumas versões (ARC e traduções em inglês) apresentam a última parte do versículo na sua tradução
literal, que seria “engrandeceste a tua
palavra acima de todo o teu nome”. Sem conhecimentos adequados para compreender
todo o sentido e alcance desta expressão na sua língua original, não nos atrevemos
a maiores comentários, para além de observar a forma muito elevada como Deus
exaltou a sua Palavra.
Importância
[…] “Guardem
no coração todas as palavras que hoje lhes declarei
solenemente, para que ordenem aos seus filhos que obedeçam fielmente a todas as palavras desta lei. Elas não são palavras inúteis. São a sua
vida. […]”. (Deut. 32: 46,47; NVI)
Avançando, retomamos a passagem que dá o mote para
o tópico que nos fala da ‘importância’ da Palavra, aqui na tradução da NVI.
Queremos realçar o peso que é colocado neste texto: a Palavra foi declarada solenemente e devemos obedecer-lhe fielmente; a Palavra não é
coisa inútil, antes é a nossa própria
vida! Como traduzido na versão ARC: “Porque
esta palavra não vos é vã; antes, é a vossa vida”.
A importância da Palavra também é evidenciada
pela ligação que é feita ao maior dos mandamentos, o amar a Deus acima de todas
as coisas (discorremos
sobre este mandamento maior na reflexão 2). Vejamos esta passagem, também ela de Deuteronómio:
Escuta,
Israel, o Senhor e só ele é o nosso Deus. Ama o Senhor, teu Deus, com todo o
coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Que os mandamentos que
hoje te dou estejam sempre na tua memória. (Deut. 6:4-6; BPT)
Podemos observar que, no mesmo momento em que
Deus nos convoca a amá-lo de todo o coração, alma e forças, também nos convoca
a termos sempre na memória os seus mandamentos.
E esta ligação entre o obedecer aos seus
mandamentos (ou seja, à sua Palavra) enquanto evidência do nosso amor por Ele,
pode ser encontrada em diversos outros trechos da Bíblia, como por exemplo:
Assim
sabemos que amamos os filhos de Deus: amando a Deus e obedecendo aos seus
mandamentos. Porque nisto consiste o
amor a Deus: em obedecer aos seus mandamentos. (1 João 5:2,3; NVI)
E nisto
sabemos que o conhecemos: se guardarmos
os seus mandamentos. Aquele que diz: Eu conheço-o e não guarda os seus
mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade. Mas qualquer que guarda a sua palavra, o amor de Deus está nele
verdadeiramente aperfeiçoado; nisto conhecemos que estamos nele. Aquele que
diz que está nele também deve andar como ele andou. (1 João 2:3-6; NVI)
Julgamos que o texto é suficientemente
autoexplicativo, mas não podemos deixar de realçar esta profunda ligação entre
o colocar em prática a Palavra de Deus e o amor a Deus e ao nosso próximo,
sendo que pela nossa obediência às Escrituras revelamos o quanto amamos. Este
aspeto por si só daria para uma reflexão autónoma, talvez um dia o façamos se
Deus o permitir.
Ainda, neste tópico da ‘importância’ da Palavra, sabendo
que em alguns sectores da cristandade é habitual esgrimirem-se argumentos em
torno duma hipotética dicotomia entre o Espírito e a Palavra, será oportuno
referir que, pelo contrário, a Bíblia
evidencia uma profunda coincidência de operação entre a Palavra e o Espírito,
como aliás não poderia deixar de ser. Assim, a par da passagem introdutória
desta publicação, onde vimos que o Espírito pairava sobre as águas aguardando a
proclamação da Palavra criadora de Deus, registamos ainda outros trechos que
nos apontam em igual sentido, ou seja, para a correlação da ação do Espírito com
a Palavra:
Jesus
respondeu: “Vocês estão enganados porque não conhecem as Escrituras nem o poder
de Deus! [...] (Mat. 22:29; NVI)
Usem o
capacete da salvação e a espada do
Espírito, que é a palavra de Deus.
(Ef. 6:17;
NVI)
Procurem no
livro do Senhor e leiam: […] Pois foi a sua boca que deu a ordem, e o seu
Espírito os ajuntará. (Isa. 34:16; NVI)
Terminamos este tópico citando um dos versículos
que maior enfâse dá sobre a importância da Palavra, deixando que o mesmo fale
por si:
Pois a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais
afiada que qualquer espada de dois gumes; ela penetra até o ponto de dividir
alma e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamentos e intenções do
coração. (Heb. 4:12; NVI)
Suficiência
Estabelecido o princípio da autoridade da Palavra, bem como o princípio da importância da Palavra, é momento para falarmos do princípio da suficiência da Palavra.
Tomámos como passagem que dá mote ao tópico um
excerto do último capítulo de Apocalipse (nome grego que significa Revelação),
livro que curiosamente, ou não, encerra o cânone cristão do Novo Testamento e,
consequentemente, a Bíblia. Nessa passagem podemos ler:
Eu, João,
declaro a todos os que ouvirem as palavras proféticas deste livro: «Se alguém
lhes acrescentar qualquer coisa, Deus há de castigá-lo com os castigos
descritos neste livro. E se alguém retirar alguma das palavras proféticas
escritas neste livro, Deus lhe retirará a sua parte na árvore da vida e na
cidade santa, conforme vem escrito neste livro.» (Apoc./Rev. 22:18,19; BPT)
É certo que este aviso diz respeito,
especificamente, às profecias inseridas em Apocalipse, mas não deixa de ser
verdade que podemos aplicar esta instrução a toda a palavra proferida por Deus,
tanto mais que mandamentos idênticos podem ser encontrados em diversos lugares
da Bíblia, desde logo num dos seus primeiros livros:
Nada
acrescentem às palavras que eu lhes ordeno e delas nada retirem, mas obedeçam
aos mandamentos do Senhor, o seu Deus, que eu lhes ordeno. (Deut. 4:2; NVI)
Vemos assim uma clara insistência por parte de
Deus através das Escrituras em que tomemos a sua Palavra, e apenas a sua
Palavra, como orientação de fé para a nossa vida. Em sentido semelhante podemos
encontrar, entre outras, as seguintes passagens:
Mas, ainda
que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos
tenho anunciado, seja anátema. (Gál. 1:8; ARC)
E em diversas ocasiões vemos como levavam a sério
estas instruções, como é o caso notório e meritório da comunidade cristã da
cidade de Bereia, aquando da pregação efetuada pelo apóstolo Paulo:
Logo que
anoiteceu, os irmãos fizeram seguir Paulo e Silas para a cidade de Bereia. Quando
lá chegaram, foram à sinagoga dos judeus. Os judeus dali eram mais bem formados
do que os de Tessalónica, pois receberam a mensagem com muito boa vontade, e
todos os dias estudavam a Sagrada Escritura para verem se o que Paulo dizia era
mesmo assim. (Atos 17:10,11; BPT)
Não deixa de ser extraordinário o comportamento
destes primeiros cristãos, pois mesmo perante um homem poderoso em realizações
no poder de Deus, como era o caso de Paulo, estes fiéis cristãos não deixaram
de estudar as Escrituras para verificar se aquilo que lhes estava a ser pregado
era ou não de Deus.
Com efeito, já no Antigo Testamento Deus tinha
avisado solenemente da necessidade de se colocar as suas (de Deus) instruções
em primeiro lugar, mesmo que perante supostas (ou reais) manifestações
miraculosas, como se pode verificar aqui:
Se aparecer
entre vocês um profeta ou alguém que faz predições por meio de sonhos e lhes
anunciar um sinal miraculoso ou um prodígio, e se o sinal ou prodígio de que
ele falou acontecer, e ele disser: ‘Vamos seguir outros deuses que vocês não
conhecem e vamos adorá-los’, não deem ouvidos às palavras daquele profeta ou
sonhador. O Senhor, o seu Deus, está pondo vocês à prova para ver se o amam de
todo o coração e de toda a alma. Sigam somente o Senhor, o seu Deus, e temam a
ele somente. Cumpram os seus mandamentos e obedeçam-lhe; sirvam-no e apeguem-se
a ele. (Deut. 13:1-4; NVI)
Aliás, estas instruções tornam-se mais claras se
percebermos o contexto em que são proferidas, contexto que se torna ainda mais
evidente em outras traduções da Bíblia que seguem a tradição hebraica e enumeram o
versículo que estamos habituados a ver a fechar o capítulo 12 no início do
capítulo 13 de Deuteronómio, lendo-se assim:
Tudo aquilo que eu vos ordenei, devem pô-lo em
prática, sem acrescentar nem retirar nada. Se um dia aparecer no vosso meio um profeta ou
alguém que tenha visões a anunciar-vos milagres e prodígios, para vos convencer
a seguir e adorar outros deuses, que não reconheciam antes, ainda que esses
milagres e prodígios se venham a realizar, não façam caso do que diz esse
profeta ou visionário. É o Senhor, vosso Deus, que vos está a pôr à prova, para
saber se realmente o amam com todo o coração e com toda a alma. Sigam somente o
Senhor, vosso Deus, e tenham-lhe respeito, cumpram os seus mandamentos e
obedeçam às suas ordens, sirvam-no e permaneçam fiéis a ele. (Deut. 13:1-5; BPT)
Igual forma de numerar pode ser encontrada na
versão inglesa ’Complete Jewish Bible’
(CJB). Também, nas versões inglesas ‘English
Standard Version’ (ESV) e ‘New
International Version’ (NIV) é feita referência a este aspeto em nota de
rodapé em Deut. 12:32.
E por aqui terminamos, esperando ter enfatizado o
necessário sobre a suficiência da Palavra de Deus para nós.
Terminadas estas reflexões, falta olhar para
algumas caraterísticas da Palavra, bem como refletir sobre a sua aplicação à
vida prática, pois, como a própria Palavra nos ensina, devemos ser praticantes e não apenas ouvintes. Isso faremos em
breve se Deus o permitir.
Versões/traduções
da Bíblia utilizadas:
ARC: Almeida Revista e Corrigida (2009); Sociedade
Bíblica do Brasil.
BPT: a Bíblia para todos (2009); Sociedade Bíblica
Portuguesa.
NVI: Nova Versão Internacional (2000); Biblica (IBS) e Editora Vida (Brasil).